A nova série animada da Netflix é, como muitos sabem, criada por Matt Groening, o mesmo idealizador de Os Simpsons e Futurama, e compartilha dos mesmos traços e é também a realização de um sonho do criador de alguns anos já de lançar sua própria obra de fantasia medieval.
Já faz algum tempo em que em Os Simpsons e Futurama vemos homenagens a As Crônicas de Gelo e Fogo e o universo de J R. R. Tolkien, tanto na abertura quanto nos episódios. O cenário estava aos poucos sendo preparado, muito pelo retorno do sucesso de obras de literatura fantástica de uns anos para cá, especialmente com Game of Thrones e a trilogia O Hobbit, mas também pela decadência do sucesso de Futurama, logo que o universo da série inspirada nas obras de Azimov e os cyberpunks oitentistas já não cativa mais, até porque a nossa visão de futuro já não é mais a mesma. Por outro lado, o universo medieval não envelhece.
Matt Groening teve então em sua nova experiência na Netflix uma liberdade que não teria na TV. A protagonista, Bean – não por acaso dublada por Luisa Palomanes, a voz da Merida de Valente, – é uma princesa modernista que representa toda a nova onda de princesas trangressoras que vemos em longas da Disney de uns anos para cá. São vários dos momentos em que me peguei falando em como eu gostaria de ser amigo dessa princesa, mas incrivelmente você não vê os homens do Reino dos Sonhos vendo ela da mesma forma. A série se aproveita do ambiente medieval para satirizar o comportamento patriarcal, que ainda permanece por sinal, mas que muitos não o vêem ou fingem que.
E falando no cenário, o ambiente é levemente inspirado em Game of Thrones. Vemos um reino com um castelo a beira de um penhasco, um poço no meio do salão principal na frente de um trono feito de espadas, onde senta um rei gordo, Zog, antigo herói de guerra e viúvo em um novo casamento, com a Rainha Oona, onde concebeu um filho simplório, com quartos com janelas que dão para a igreja principal da cidade e uma cripta fora dos limites do castelo, onde ficam os restos mortais da família real e a estátua de pedra da maravilhosa e falecida mulher do rei, Dagmar, cuja descende de uma terra fria e distante onde convive com animais e bestas e traz consigo uma profecia de que sua filha é a escolhida salvadora. Temos também a princesa, transgressora, com cabelos quase brancos, normalmente vestindo azul e acompanhada em seus ombros, Luci, um ser fantástico e escuro com calda e orelhas pontudas e por aí vai.
Diferente de Os Simpsons e Futurama, como a série é lançada para Netflix e não para a TV, ela carrega uma história sequencial – na verdade, as outras obras de Groening também fazem isso, mas com menos frequência, com foco mais em episódios com histórias fechadas. DesEncanto também tem episódios com histórias fechadas, mas uma temporada com uma história redonda e que você pode começar assistindo não dando muito valor, pois o primeiro episódio dá muito a entender que será apenas um prelúdio para apresentar os personagens e que nos próximos ocorrerão tramas que não levam a lugar nenhum e que tudo sempre volta ao normal no final, mas não. Os últimos três episódios da temporada são sequênciais e levam a um clímax que faz um gancho de explodir a cabeça no final da temporada. Até nisso lembra a primeira temporada de Game of Thrones, que começa morna, mas surpreende com um final que inicia uma tão prometida guerra.
O roteiro como um todo é em si muito bem feito, e a arte está espetacular tal como a musicalidade, mas a série tem algumas ressalvas. Ela vale muito mais a pena ser assistida em português, pois a equipe de dublagem brasileira caprichou bastante na regionalização. Mesmo com alguns excessos, não atrapalha a experiência que vale, realmente, muito mais a pena ser vista com o belíssimo trabalho da dublagem brasileira que soube bem adaptar as piadas e referências para nosso entendimento e não apenas traduzi-las, como de costume.